Eu nunca fui bom de improviso
Por isso das rodas de freestyle eu fugia
e hoje me autointitulo como Jazz, que ironia
improviso na vida, mas não na poesia
“Improvisa na vida, como assim?”, eu te explico
é que quando você mora num país que tem um “mito”
e, cultura de perseguição, a cada 23 minutos, superação
Eu tá aqui vivo é no mínimo esquisito
Só que eu sigo vivo, pelos que viveram antes de mim
pelos que nos clubes tocavam e a família não podia ir assistir
porque a entrada era proibida pra crioulos de forma mal vestida
me sobe a ira e eu penso: “Não posso parar aqui”
Pelos que vieram antes de mim
pelos que com lamentos e gemidos sofridos criaram um dos mais lindos estilos musicais
Pelos que vieram antes de mim
eu preciso ficar vivo e honrar os meus ancestrais
preciso mostrar pros meus pais
que é a poesia que me faz levantar e ser todo dia diferente dos iguais
eu não sou, nem obedeço a nenhum capataz
que olha pra mim e pra outro irmão como se fosse um “tanto faz”
mas, escuta aí, que eu não sou de repetir
somos plurais assim como o abismo entre Nina e Armstrong
eu dou meu nome, minha alma e o meu sangue
pelos que tão comigo desse lado de cá da ponte
porque do lado de cá, nego, não é bossa nova
outro ritmo de preto que foi embranquecido com o passar do tempo
assim como tentaram embranquecer o Jazz, em pleno desenvolvimento
eu tô falando de mim, antes que cause confusão este depoimento
Sofrimento, palavra que há tempos venho percebendo
ser frequente no vocabulário do nosso povo
por isso que o blues é preto, o soul é preto
e você, preto, não dá o devido reconhecimento
Por quê? Se pá, nem é culpa sua
não é fácil ter seu corpo sendo vendido na rua
por isso que altas parada a gente perpetua
é doído demais assumir e perceber como a vida é dura
dói perceber qual é a carne mais vendida
dói perceber qual é a fruta mais colhida
perceber que o fruto estranho de que a Holiday tanto falava
é a nossa imagem refletida
É difícil ter essa sensação de não pertencimento
é que nos tiraram da nossa terra bem antes do nascimento
bem antes do isolamento, já vivíamos presos
em pensamentos, num tumbeiro espiritual com gritos de ressentimento
me gritam: “Empoderamento”, muitos ainda machucados por dentro
do relento, não enxergam nada além de um mau elemento
me gritam: “Fogo nos racistas”, eu concordo com o argumento
mas é tão seletivo que ainda não vi ninguém ardendo
Não é fácil, ô, Milton Nascimento
Fazer uma Canção da América depois de tudo que o Gambino falou
O moço da música que chora ao ver o amigo partir
foi porque o seu corpo velou
e é por isso que eu sigo vivo
escrevo e recito como forma de incentivo
como a Fitzgerald foi pra mim, como o Coltrane foi pra mim
como o sax e o trompete fazem com que eu grite: “Resisto”
Não fico pianinho, mas admiro, de fato
é foda demais saber que apesar do corpo roubado
apesar do corpo acorrentado, do corpo desvalorizado
o jazz fez vários pretos saírem da merda e entrarem pra rádio
Fez o Jazz entender que não é só ladeira abaixo
que, apesar da diáspora, nos verso preto eu me acho
que, apesar da fome, eu sempre trago o prato
e sirvo os meus irmãos com uns verso livre que eu cato
sem melodia e sem alforria
Assim como minhas irmãs me salvaram naquele dia
por isso que sigo vivo, porque apesar da disforia
sempre vou levar o jazz no nome, na alma e na poesia.
Jazz é poeta não binárie, 17 anos de Slam de Maceió, Alagoas. É slammaster do Slam Libertação, participou de diversas competições e venceu o Slam do Conhecimento — Campeonato Interescolar de Poesia Falada promovido pelo projeto de extensão universitária Slam do Conhecimento. O evento está vinculado ao Departamento de Psicologia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte em parceria com o Departamento de História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Atualmente mora em Sapezal, Mato Grosso. Saiba mais no Instagram @eusouljazzy